Conheceram-se, gostaram um do outro, “ficaram” por um tempo. A moça engravidou e não queria ser mãe. Mas Marcos Antônio Mendonça Melo, 36 anos, queria ser pai. Passada a gravidez, tudo se deu como o combinado: a moça foi tratar da vida e Marcos ficou com o bebê. Ele mora e trabalha em Campinas; e seus pais, avós do bebê, moram longe. Como cuidar do pequeno?
Ora, Marcos lançou mão do que juridicamente chama-se isonomia das leis: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. As mulheres que dão à luz têm 120 dias de licença maternidade. Foi o que Marcos conseguiu: 120 dias de licença paternidade, com recebimento de salário, pago pelo INSS. E entrou para a história. É o primeiro pai biológico no Brasil a conquistar esse direito. A decisão foi do juiz Rafael Margalho, do Juizado Especial Federal de Campinas.
O fato me fez lembrar as duras batalhas travadas pelas mulheres para conquistar a licença maternidade de 120 dias. Inclusive, desde 2010, empresas privadas vêm recebendo incentivo fiscal para conceder a prorrogação da licença maternidade por mais dois mêses, perfazendo, assim, 180 dias. Em algumas cidades do país, leis municipais têm garantido direito similar às trabalhadoras do setor público.
A amamentação e recuperação pós-parto foram e ainda são fortes argumentos para essa conquista. Daí se imaginar, por muito tempo, que ao homem não caberia tal benefício. Ocorre que, no caso de Marcos, a mãe não está presente e a criança necessita de cuidados.
Fosse um tempo atrás, uma babá, tia, avó, irmã, prima ou vizinha teria de cuidar da criança. Hoje em dia, entretanto, é cada vez mais raro encontrar um familiar disponível. Além disso, os homens passaram a reivindicar o direito de serem pais, o que, sem dúvida, é uma excelente notícia.
Quando seu filho nasce, o pai tem direito a cinco dias úteis de licença paternidade remunerada, custeados pela empresa onde trabalha. É basicamente o tempo de acomodar mãe e filho em casa, dar algum suporte emocional e pronto, acabou a licença.
Não é de hoje que os homens reivindicam um tempo maior, na verdade, tramitam projetos de lei para expandir a licença paternidade dos pais em pelo menos 30 dias, ou mesmo o direito de obter 120 dias em caso de doença grave ou falecimento da mãe do bebê.
Claro, é um benefício que custa à Previdência e às empresas. E embora as vantagens para o bebê e para a família sejam evidentes, legisladores e juristas analisam não só questões financeiras, mas, também, o considerável impacto social decorrente.
Impacto social? Isso mesmo. Vejamos, por exemplo, o caso da Suécia. Eu sei, lá se vive realidade muito diferente, mas não deixa de ser pertinente considerar a transformação que vem ocorrendo nesse país ao longo dos últimos cinco anos.
Em 2007, o governo estipulou a licença paternidade de 13 meses, que pode ser retirada de uma só vez, a partir do nascimento do bebê; ou em períodos, até a criança completar oito anos. A licença também pode ser requerida pela mãe. Ou seja, pai e mãe podem se revezar na tarefa de cuidar do filho e manter seus salários.
É possível, assim, traçar uma estratégia eficiente não só para o dia a dia da família, mas também na organização da carreira de ambos. A conta é paga pelo governo —80%— e o restante pela empresa. De novo, é claro que a Suécia é rica e pode pagar essa conta. Mas aonde eu quero chegar é nas mudanças que ocorreram a partir daí.
Homens passaram a ficar em casa e, muitos deles, descobriram as delícias e agruras do cotidiano doméstico. Isso aproximou os casais. Os índices de divórcio diminuíram em 18%! E o “jeitão” do homem sueco está mudando. Eles vêm redesenhando a masculinidade a partir de outras tarefas e, ao que tudo indica, as mulheres suecas gostam, sim, de ver seus maridos em casa.
Para elas, as vantagens são óbvias. Em casa, o marido deixa de ser aquele “extraterrestre” que chega em casa para concorrer com o filho na necessidade de atenção. No trabalho, a concorrência deixou de ser desigual.
Afinal, mesmo no primeiro mundo, o fato de ser mulher e em idade fértil ainda pode pesar, por exemplo, ao se concorrer a uma vaga com um homem em condições iguais de formação e experiência profissional. Sendo o primeiro país a conceder licença paternidade, os institutos de pesquisa estão de olho nesses novos tempos suecos.
O instituto Karolinska, de Estocolmo, por exemplo, já detectou que tirar dois meses de folga, logo após o nascimento do filho, diminui em 25% as chances de o homem morrer cedo. Ainda não se sabe o motivo, que pode ser desde a diminuição do estresse a partir da convivência familiar à melhoria da alimentação. Na verdade, ao lidar com as crianças, o homem acaba por ganhar hábitos mais saudáveis, trocando bebidas alcoólicas por sucos, por exemplo.
Por trás dessa “generosidade” do governo sueco, existe, claro, a preocupação com a baixa natalidade. Preocupação, aliás, recorrente em toda a Europa. Um argumento desses faria sentido no Brasil? Talvez.
De um lado, a gritante desigualdade na distribuição de renda ainda provoca bolsões de pobreza, onde sobram crianças e falta de tudo. Porém, é bom lembrar, desde 2010, a taxa de fecundidade no Brasil é de menos de dois filhos por mulher. É uma taxa que fica abaixo do nível natural de reposição da população.
As mulheres brasileiras estão esperando mais tempo para ter seus filhos. O fator econômico e a necessidade de consolidar carreira afastam os planos da maternidade, que já deixou de ser prioridade ou um dever. Assim, nada mais salutar que os homens se posicionem e avencem na luta pela igualdade dentro de casa e desafoguem as múltiplas tarefas femininas. Será que, enfim, teremos uma mudança cultural radical? Que venha, e que seja para melhor!
(*) é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Ivone Zeger, 31.01.2013