Juros de mora referentes à reparação de dano moral contam a partir da sentença que determinou o valor da indenização. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e inaugura novo entendimento sobre o tema na Corte. A maioria dos ministros seguiu o voto da relatora, Ministra Maria Isabel Gallotti. Ela considerou que, como a indenização por dano moral só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou, “não há como incidirem, antes desta data, juros de mora sobre a quantia que ainda não fora estabelecida em juízo”.
A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que, nos casos de responsabilidade extracontratual, os juros de mora fluem desde a data do evento danoso (Súmula nº 54). Por outro lado, tratando-se de responsabilidade contratual, os juros de mora contam-se a partir da citação.
A Ministra Gallotti esclareceu que, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, “não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes”. O art. 1.064 do Código Civil de 1916 e o art. 407 do atual CC estabelecem que os juros de mora são contados desde que seja fixado o valor da dívida.
Como os danos morais somente assumem expressão patrimonial com o arbitramento de seu valor em dinheiro na sentença de mérito, a ministra conclui que o não pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerado omissão imputável ao devedor, para efeito de tê-lo em mora: “Mesmo que o quisesse, o devedor não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por arbitramento e nem por acordo (CC/16, art. 1.064)”.
Divergência
O julgamento que inovou a posição da Quarta Turma diz respeito a uma ação de indenização – por danos materiais, morais, estéticos e psíquicos – de um paciente do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS). Internado nos primeiros dias de vida, ele foi vítima de infecção hospitalar que lhe deixou graves e irreversíveis sequelas motoras e estéticas.
Após a condenação do hospital ao pagamento de pensão mensal vitalícia à vítima, a ministra se propôs a reexaminar a questão do termo inicial dos juros de mora. Nesse ponto, o Ministro Luis Felipe Salomão discordou, considerando que os juros devem contar a partir do evento danoso. O ministro afirmou que uma mudança brusca na jurisprudência precisa de uma discussão pela Seção ou pela Corte Especial. Foi, porém, vencido pelos outros ministros, que acompanharam a relatora em seu voto.
Entenda o caso
A ação de indenização foi ajuizada quando o paciente tinha 20 anos. De acordo com o perito ortopedista que atuou no processo, a infecção (septicemia) causou deformidades físicas que determinam um déficit funcional parcial e permanente da vítima. No curso da ação, o hospital pediu que o Laboratório Weinmann e o pediatra responsável por comandar a internação também respondessem pela ação (denunciação da lide).
O juízo de primeiro grau condenou o hospital a pagar reparação de danos morais (incluídos os danos estéticos e psíquicos) no valor de R$ 150 mil – com correção monetária (pelo IGP-M) a partir da data da sentença até o pagamento; juros de mora (juros pelo atraso no pagamento) desde a citação; despesas médico-hospitalares e tratamentos necessários para a correção ou diminuição dos problemas físicos e estéticos. A denunciação da lide, por sua vez, foi julgada improcedente.
As duas partes apelaram ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que manteve a sentença. Esclareceu, entretanto, que os juros moratórios referentes à indenização por dano moral devem contar a partir do momento em que foi fixado o valor da indenização, e que os juros anteriores à sentença e posteriores ao evento danoso já estão incluídos no valor determinado pela decisão de primeiro grau.
Recorreram, o hospital e o paciente, ao STJ. O hospital argumentou que o tribunal gaúcho se afastou da prova técnica, julgando a causa por presunção, sem que o autor tivesse se desincumbido do ônus de provar que a causa do dano seria a atuação do hospital. Também afirmou que o valor da reparação dos danos morais seria exagerado. Por fim, disse que a inexistência de vínculo contratual entre o hospital e o pediatra e o laboratório não impede a denunciação.
O paciente, por sua vez, alegou que o valor da indenização seria pequeno se consideradas as condições econômicas e a culpa do hospital, além da extensão e gravidade dos danos. Pediu, também, que, por conta da diminuição da capacidade de trabalho, o hospital pagasse pensão mensal indenizatória. Considerou que a correção monetária deveria incidir a partir do evento danoso. E que os juros de mora também deveriam ser contados do evento danoso (ou mesmo da citação, como afirmava a sentença).
Indenização
A Ministra Maria Isabel Gallotti lembrou que a Súmula nº 7 do STJ não permite o reexame das provas. Sobre o nexo causal, destacou que o entendimento da Corte Superior é de que há responsabilidade do hospital relativamente à saúde do paciente, e que essa responsabilidade só pode ser afastada quando a causa do dano puder ser atribuída a evento específico, o que não ocorreu no caso.
Quanto ao valor da indenização, a ministra Gallotti afirmou que não é nem exagerado nem irrisório, únicos casos em que o STJ poderia rever a quantia. Relativamente à denunciação da lide, a relatora afirmou que esta não objetiva a simples transferência de responsabilidade pelo evento danoso, já que o denunciado é mero garante, e não réu.
Pensão
A ministra acolheu o pedido de pensão. Ela destacou que, embora o paciente esteja capacitado para trabalhar, o sacrifício e a dificuldade para obter melhores condições no futuro justificam o pagamento. Fixou, então, o valor em um salário-mínimo, a ser pago desde a data em que a vítima completou 14 anos até o fim de sua vida.
Acerca da correção monetária, a relatora justificou que a sentença está de acordo com a jurisprudência do STJ, de que a correção incide a partir da data da decisão, já que o valor está atualizado até aquele momento.
A ministra manteve, em sua decisão, quase todo o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A única mudança foi a condenação do hospital a pagar a pensão mensal ao paciente. Para garantir o pagamento do pensionamento devido, o hospital deve constituir capital, conforme previsto no art. 475-Q do Código de Processo Civil.
Fonte: STJ