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A inconstitucionalidade da previsão do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90

Elaborado em 06/2005. [br]
Como se sabe, um das exceções à impenhorabilidade do Bem de Família Legal refere-se ao imóvel de residência do fiador de locação, conforme previsão do art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990 (c/c art. 82 da Lei n. 8.245/91).

Quanto à essa exceção, divergem tanto doutrina quanto jurisprudência em relação à sua suposta inconstitucionalidade.

Contudo, AINDA prevalece no Superior Tribunal de Justiça, atualmente, a tese da penhorabilidade do imóvel do fiador, o que também era acolhido pelo extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo em sua maioria. Nesse sentido, vale transcrever:

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“Locação – Fiança – Penhora – Bem de família. Sendo proposta a ação na vigência da Lei 8.245/1991, válida é a penhora que obedece seus termos, excluindo o fiador em contrato locatício da impenhorabilidade do bem de família. Recurso provido” (STJ – REsp 299663/RJ – j. 15.03.2001 – 5.ª Turma – rel. Min. Felix Fischer – DJ 02.04.2001, p. 334).

“Execução – Penhora – Bem de família – Fiador – Inconstitucionalidade do art. 3.º, inciso VII, da Lei 8.009/1990 – Não reconhecimento. Não é inconstitucional a exceção prevista no inciso VII do art. 3.º, da Lei 8.009/1990, que autorizou a penhora do bem de família para a satisfação de débitos decorrentes de fiança locatícia” (2.º TACSP, Ap. c/ Rev. 656.658-00/9 – 1.ª Câm. – Rel. Juiz Vanderci Álvares – j. 27.05.2003, Anotação no mesmo sentido: JTA (LEX) 149/297 – AI 496.625-00/7 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz João Saletti – j. 23.09.1997 – Ap. c/ Rev. 535.398-00/1 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz João Saletti – j. 09.02.1999 – Ap. c/ Rev. 537.004-00/2 – 4.ª Câm. – Rel. Juiz Mariano Siqueira – j. 15.06.1999 – Ap. c/ Rev. 583.955-00/9 – 12.ª Câm. – Rel. Juiz Arantes Theodoro – j. 29.06.2000 – Ap. c/ Rev. 593.812-00/1 – 10.ª Câm. – Rel. Juiz Soares Levada – j. 07.02.2001 – Ap. c/ Rev. 605.973-00/3 – 8.ª Câm. – Rel. Juiz Renzo Leonardi – j. 26.04.2001 – Ap. c/ Rev. 621.136-00/1 – 10.ª Câm. – Rel. Juiz Irineu Pedrotti – j. 12.12.2001 – Ap. c/ Rev. 621.566-00/7 – 10.ª Câm. – Rel. Juiz Soares Levada – j. 12.12.2001 – AI 755.476-00/1 – 6.ª Câm. – Rel. Juiz Lino Machado – j. 16.10.2002 – Ap. c/ Rev. 628.400-00/7 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz Ferraz Felisardo – j. 26.11.2002 – Ap. c/ Rev. 760.642-00/0 – 9.ª Câm. – Rel. Juiz Claret de Almeida – j. 27.11.2002 – AI 777.802-00/4 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz Ribeiro Pinto – j. 11.02.2003 – AI 780.849-00/0 – 12.ª Câm. – Rel. Juiz Arantes Theodoro – j. 27.02.2003).
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Contudo, uma posição minoritária entende ser essa previsão inconstitucional, por violar a isonomia (art. 5º, caput, da CF/88) e a proteção da dignidade humana (art. 1º, III).

Primeiro, porque o devedor principal (locatário) não pode ter o seu bem de família penhorado, enquanto o fiador (em regra devedor subsidiário – art. 827 do CC) pode suportar a constrição. A lesão à isonomia reside no fato da fiança ser contrato acessório, que não pode trazer mais obrigações do que o contrato principal (locação).

Em reforço, haveria desrespeito à proteção constitucional da moradia (art. 6º), uma das exteriorizações do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana.

Concordamos com essa última tese.

Aliás, na jurisprudência paulista, a inconstitucionalidade da previsão sempre foi sustentada pela renomada professora e atual Desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery, por esses mesmos argumentos. (2º TAC/SP, Apelação com revisão 593.812-0/1).

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assim também concluem sustentando que: “À luz do Direito Civil Constitucional – pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil –, parece-nos forçoso concluir que este dispositivo de lei viola o princípio da isonomia insculpido no art. 5.º da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação” (Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, p. 289).

Sem dúvidas, concordamos: à luz do Direito Civil Constitucional e da personalização do Direito Privado, não há como aceitar tal previsão!

Isso inclusive foi reconhecido pelo Ministro Carlos Velloso, em decisão monocrática recentemente pronunciada em sede de recurso extraordinário em curso perante o Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:
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“Em trabalho doutrinário que escrevi ”Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil”, texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.3.2003, registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração – direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.

O bem de família – a moradia do homem e sua família – justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.

Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3º feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000″ (STF, Recurso Extraordinário, RECORRENTES: ERNESTO GRADELLA NETO E OUTRA. RECORRIDA :TERESA CANDIDA DOS SANTOS SILVA. EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR. IMPENHORABILIDADE).
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Ora, tem crescido na jurisprudência uma análise do Direito Privado à luz do Texto Maior e de três princípios básicos: a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a solidariedade social (art. 3º, I) e a isonomia (art. 5º, caput). Esses justamente os princípios daquilo que se denomina Direito Civil Constitucional.

Essa a interpretação que se espera, visando consubstanciar um Direito Civil renovado, mais justo e solidário. O contrato não pode fugir dessa concepção, sendo certo que a interpretação de inconstitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90 mantém relação direta com o princípio da função social dos contratos.

Por esse princípio, os contratos devem ser interpretados de acordo com o contexto da sociedade, o que constitui um regramento de ordem pública e com fundamento constitucional, o que pode ser retirado dos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, do novo Código Civil e da tríade dignidade-solidariedade-igualdade.

Conforme também já defendemos a função social dos contratos encontra fundamento na função social da propriedade, que deve ser concebida em sentido amplo – art. 5º, XXII e XXIII e art. 170, III, todos da CF/88 (Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005, p. 200).

Assim sendo e reforçando, vale citar o Enunciado n. 24, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovido pelo Conselho da Justiça Federal, pelo qual: “a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”. O direito constitucional `a moradia acaba limitando a autonomia privada, portanto.

Por isso, concordamos integralmente com a decisão monocrática transcrita, e também entendemos pela inconstitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90. Com esperança, aguardamos que os demais Ministros do Excelso Pretório confirmem a brilhante decisão. Com isso, sem dúvidas deverá ocorrer uma reviravolta na jurisprudência de nossos Tribunais.[br]
Autor
Flávio Tartuce

advogado em São Paulo (SP),doutorando em Direito Civil pela USP, mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP, professor do Curso FMB, coordenador e professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito (SP).Doutorando em direito civil pela USP.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

TARTUCE, Flávio. A inconstitucionalidade da previsão do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 866, 16 nov. 2005. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2011.

Ação de improbidade contra juízes de Tribunal do Trabalho é rejeitada

Ação de improbidade contra juízes de Tribunal do Trabalho é rejeitada

Atos com meras ilegalidades não podem ser confundidos com improbidade administrativa, que é caracterizada pela conduta dolosa do agente quando viola os princípios constitucionais da Administração Pública (artigo 11 da Lei nº 8.429/92). O Ministro Teori Albino Zavascki fundamentou assim seu voto ao rejeitar ação de improbidade administrativa contra dois juízes do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 11ª Região. A decisão do ministro relator foi acompanhada integralmente pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No caso, os dois juízes trabalhistas, no exercício da presidência do TRT, assinaram portarias para afastar das funções dois juízes substitutos para que eles proferissem sentenças pendentes em processos que tramitavam em varas do trabalho de Manaus.

Um dos juízes afastados interpôs recurso no Tribunal Superior do Trabalho (TST), que concedeu liminar para suspender os efeitos da portaria. Entendeu-se que foram impostas punições sem respaldo legal ao juiz substituto. A decisão apontou que nas portarias de suspensão foi utilizada a expressão “puxão de orelha”, demonstrando a intenção punitiva.

No recurso ao STJ, os juízes do TRT afirmaram que, por serem “agentes políticos”, só poderiam ser acusados de crime de responsabilidade e, portanto, a acusação de improbidade não se aplicaria a eles. Alegaram que não houve dolo, má-fé ou desonestidade, pois apenas afastaram os juízes substitutos de tarefas burocráticas para que prolatassem as sentenças atrasadas. Segundo eles, as sentenças em atraso feririam o artigo 35, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

Na visão do relator, não há nenhuma norma constitucional que imunize agentes políticos, com exceção do presidente da República, de processos por improbidade. O Ministro Teori Zavascki observou que ele mesmo já proferiu votos nesse sentido.

Contudo, o relator destacou que a jurisprudência pacificada na Primeira Seção do STJ e a grande maioria da doutrina especializada apontam que a improbidade não se confunde com simples ilegalidade. “A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, razão pela qual é indispensável, para sua caracterização, que a conduta seja dolosa”, explicou.

O Ministro Zavascki destacou que em nenhum momento na ação se comprovou a suposta improbidade. A suspensão para a prolação das sentenças acompanhada da expressão “puxão de orelha” foi considerada equivalente a uma pena disciplinar não prevista na Loman e, portanto, ilegal. “Como se percebe, o fundamento da demanda tem relação com o juízo sobre a legalidade do ato praticado, não com a improbidade da conduta de quem o praticou”, esclareceu. O relator afirmou que o dolo deveria ser comprovado, o que não ocorreu.

Fonte: STJ

Empresa de telefonia é condenada a indenizar por falha na prestação do serviço

Empresa de telefonia é condenada a indenizar por falha na prestação do serviço

A Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do TJDFT não conheceu do recurso interposto pela Brasil Telecom com o objetivo de reformar decisão do juiz do 2ª Juizado Especial de Competência Geral do Núcleo Bandeirante, que condenou a companhia telefônica a indenizar em R$ 10 mil uma consumidora por sucessivas falhas na prestação do serviço de telefonia, bem como pelas cobranças indevidas. Assim, fica mantida a decisão de 1ª Instância.

O pedido não foi conhecido, segundo os juízes, pois não foi feita a constituição regular do advogado, o que levou ao não conhecimento do recurso. Segundo os julgadores, a falta de assinatura na peça recursal rende ensejo ao não conhecimento do caso. “A petição recursal não foi assinada pelo patrono da recorrente. A peça, portanto, é apócrifa e não pode ser conhecida”, assegurou a relatora no voto.

A autora afirma no processo que é titular de uma linha de telefone fixo da Brasil Telecom e que desde janeiro de 2009 vinha recebendo cobranças indevidas referentes ao serviço de internet nunca solicitado. Diz que, apesar de tentar resolver o problema administrativamente, só conseguiu cancelar o serviço após a reclamação feita junto ao PROCON/DF, em 26.05.09, sem contar nas inúmeras reclamações feitas na própria BRASIL TELECOM e na ANATEL. Disse que de março de 2007 a fevereiro de 2008, teve que procurar mensalmente a empresa para retificar sua conta. Narrou que só conseguiu o ressarcimento das parcelas indevidas em sua conta bancária, de forma lenta, após divulgar os fatos em jornal local.

Ainda na peça inicial, a autora sustentou descaso e mau atendimento por parte da Brasil Telecom, o que lhe causou grandes aborrecimentos, além de despesas, desgaste emocional e físico em razão dos deslocamentos a ponto de “perder a sua paz”. Em razão da ausência da Brasil Telecom na audiência de conciliação, apesar de devidamente citada, foi decretada a revelia, situação em que se reputam, a princípio, verdadeiros os fatos narrados na petição inicial.

Na decisão de 1ª Instância, o juiz negou o pedido de obrigação de fazer no sentido de divulgar o resultado da ação em jornal de grande circulação, sob o argumento de que não se trata de direito de resposta. Porém, confirmou que houve grande desgaste emocional por parte da autora para solucionar o problema, sendo devida a indenização por dano moral. “O caso não se mostra como simples cobrança indevida, que por si só não ensejaria dano moral. As reiteradas cobranças indevidas e devidamente pagas para se evitar mal maior, bem como o descaso da empresa requerida, que permaneceu inerte por longo tempo, foram capazes de causar insegurança e indignação na autora que inclusive, diante das inúmeras tentativas infrutíferas junto aos órgãos competentes, se viu em situação de desamparo e aflição a ponto de sentir a necessidade de divulgar em jornal local, com irritação, o serviço defeituoso prestado pela empresa requerida”, concluiu o juiz .

Nº do Processo: 2011.11.6.001582-4

Fonte: TJDFT

Cliente agredido com garrafada em casa noturna será indenizado

Cliente agredido com garrafada em casa noturna será indenizado

A Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios condenou uma casa noturna a indenizar um cliente que foi agredido com uma garrafada dentro do estabelecimento. O valor da indenização é equivalente a três salários-mínimos e meio. Segundo o desembargador relator do processo, “as casas noturnas devem garantir aos seus clientes que se divirtam em segurança e com tranquilidade, evitando que fiquem expostos a perigos que possam atingir sua incolumidade física”.

Segundo a defesa da casa noturna, a agressão foi motivada por uma discussão entre o agredido, sua namorada e outras cinco pessoas. Por isso, não poderia ser responsabilizada pelo ocorrido. No entanto, o desembargador citou julgado anterior do Tribunal, na Apelação Civil nº 20090110302243, da mesma 6ª Turma, que assim se pronunciou: “responde objetivamente o prestador de serviços pela reparação de dano moral sofrido por cliente em decorrência de agressão perpetrada no interior de seu estabelecimento comercial, em razão de falha no serviço segurança”.

O agredido pediu uma indenização no valor de vinte e dois salários-mínimos. Explicando que “a indenização por danos morais não pode ser fonte de enriquecimento da vítima, devendo o valor da indenização ser fixado em montante razoável, com prudência e moderação”, o desembargador reduziu o montante que fora sentenciado na primeira instância, de vinte e dois salários-mínimos, para três salários-mínimos e meio.

Nº do Processo: 20090710050560

Fonte: TJDFT

Jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO

Dados do acórdão

Classe:

Apelação Cível

Processo:

Relator:

Fernando Carioni

Data:

2008-01-28

Apelação Cível n. , da Capital

Relator: Des. Fernando Carioni

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO CUMULADA COM INDENIZATÓRIA – ATA DE ASSEMBLÉIA GERAL DE CONDOMÍNIO – APROVAÇÃO DE DESPESAS EFETUADAS SEM COMPROVAÇÃO – VÍCIO DE CONSENTIMENTO – DOLO – ANULAÇÃO DEVIDA – EXEGESE DO ART. 147, II, DO ANTIGO CÓDIGO CIVIL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO

A teor do artigo 147, II, do antigo Código Civil, “é anulável o ato jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (arts. 86 a 113)” .

No dolo, a vítima é ludibriada pelo agente e emite sua vontade de forma viciada, baseada em fatos não condizentes com a realidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. , da comarca da Capital (6ª Vara Cível), em que é apelante Aparecido Darcy Bordin, e apelado Condomínio Edifício Cezanne:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Condomínio Edifício Cezanne ajuizou ação ordinária declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com indenizatória contra Aparecido Darcy Bordin, relatando que o condomínio foi administrado pelo réu, na função de síndico, no período de 28-7-1998 a 15-11-1993. Acrescentou que o período em que o réu funcionou como síndico foi marcado por desmandos administrativos, dos quais ele se omitiu e agiu de forma contrária ao disposto na Convenção e no Regimento Interno do condomínio.

Informou que o requerido omitiu-se no que se refere ao desvio de finalidade de unidade habitacional para comercial; jamais levou ao Conselho Consultivo pedido de autorização de despesas; apresentou balancetes apócrifos e sem a devida comprovação; fez telefonemas pessoais para o exterior e os apresentou como despesas do condomínio; efetuou compras exageradas de material para escritório; utilizou a verba do condomínio para pagar despesas pessoais; apresentou atas avulsas, sem nenhuma assinatura; falsificou atas; não pagou rateios; e não publicava com a antecedência prevista em lei a convocação para as Assembléias-Gerais, e que, quando o fazia, não especificava o objetivo.

Afirmou que as contas do reú nunca foram prestadas ou aprovadas. Acrescentou que ele jamais forneceu ao Conselho Consultivo nenhuma documentação probatória das despesas apresentadas e pagas, razão pela qual os condôminos o destituíram do cargo de síndico e anularam as “falsas deliberações” constantes na ata datada de 13-11-1992.

A par desses fatos, requereu fossem declaradas nulas as deliberações da Assembléia-Geral realizada no dia 13-11-1992 (doc. 3H), referentes à aprovação das contas apresentadas pelo réu no exercício da sindicatura do condomínio, assim como os balancetes (doc. 4B), já que desprovidos de respectiva comprovação dos valores ali consignados. Por conseguinte, pleiteou a aprovação das contas constantes no documento 12A/B/C elaboradas pela empresa Audicon, com a condenação do requerido à devolução do valor constante no relatório, no importe, atualizado, de R$ 24.098,56 (vinte e quatro mil noventa e oito reais e cinqüenta e seis centavos).

Juntou documentos (fls. 17 a 212).

Citado, Aparecido Darcy Bordin ofertou contestação sustentando, em síntese, ter sempre agido em conformidade com a lei e as normas que regem o condomínio. Acrescentou que suas prestações de contas foram sempre aprovadas pelos condôminos presentes as reuniões.

Na mesma oportunidade, o requerido ofereceu reconvenção, na qual alegou que não recebeu a remuneração pelos serviços prestados ao condomínio reconvindo, relativa aos meses de outubro e novembro de 1993, bem como 13º salário do mesmo ano, razão pela qual pleiteou a condenação do autor reconvindo ao pagamento de R$ 583,33 (quinhentos e oitenta e três reais e trinta e três centavos).

Instruído o feito, com a realização de prova pericial, sobreveio sentença na qual o Magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido exordial para declarar nula a disposição assemblear que aprovou as contas ditas como prestadas pelo requerido, condenando-o à devolução do valor indevidamente desviado (R$ 7.933,55), bem como julgou improcedente a reconvenção (fls. 663 e 664).

Inconformado, Aparecido Darcy Bordin interpôs recurso de apelação sustentando que a assembléia que não aprovou as contas é datada de 13-11-1991, portanto referente à gestão do ano de 1990/1991. Acrescenta que foi síndico do condomínio apelado por duas gestões, e que sua recondução prova de que sua gestão foi eficiente e responsável.

Alega que não tinha obrigação de portar os recibos comprovantes referentes a sua última gestão, pois, de acordo com o art. 22, § 1º, g, da Lei n. 4.591/64, compete ao síndico manter guardado pelo prazo de 5 (cinco) anos toda a documentação relativa ao condomínio.

Assevera que não pode aceitar que balancetes aprovados em assembléia venham a ser questionados por perícia efetuada com base em documentos anexados pelo próprio apelado.

Por fim, salienta ser ilegal sua condenação, tendo em vista que a ação foi proposta posteriormente ao prazo legal obrigacional de manutenção dos documentos que comprovariam a correta aplicação dos recursos condominiais.

Em contra-razões, o apelado requer a manutenção da decisão objurgada.

VOTO

A presente inconformação tem por objeto a sentença de primeiro grau que, julgando parcialmente procedente a ação ordinária declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com indenizatória, proposta pelo Condomínio Edifício Cezanne contra Aparecido Darcy Bordin, declarou nula a disposição assemblear que aprovou as contas ditas como prestadas pelo requerido, condenando-o à devolução do valor indevidamente desviado, no importe de R$
(sete mil novecentos e trinta e três reais e cinqüenta e cinco centavos).

Busca o condomínio apelado a declaração de nulidade das deliberações da assembléia-geral realizada no dia 13-11-1992, no qual foram prestadas e aprovadas as contas do período de 14-11-1991 a 13-11-1992, ao fundamento de que as despesas aprovadas pela assembléia não foram devidamente comprovadas pelo então síndico, Aparecido Darcy Bordin, ora apelante.

Pretende também o apelado a devolução dos valores relativos às despesas não comprovadas pelo síndico.

Realizada perícia contábil, constatou-se a existência de gastos efetuados na gestão do apelante sem a devida comprovação; a existência de gastos desconexos com a finalidade do condomínio; e a compra de bens para uso próprio do apelante com a verba do condomínio (fls. 381 a 382).

A par disso, o perito judicial apurou um saldo a ser devolvido pelo apelante ao condomínio no importe de R$ 7.933,55 (sete mil novecentos e trinta e três reais e cinqüenta e cinco centavos)

Por tal motivo, é nítido que a aprovação das contas, na Assembléia-Geral realizada no dia 13-11-1992 se deu de forma dolosa, pois foram aprovadas sem que o síndico apresentasse a comprovação das despesas por ele realizadas.

É consabido que a vontade viciada implica na anulabilidade do ato realizado.

Dispõe o art. 147, II, do antigo Código Civil, vigente a época dos fatos, que “é anulável o ato jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (arts. 86 a 113)”.

Os vícios de consentimento enumerados no referido dispositivo devem provocar uma manifestação de vontade que não corresponde ao verdadeiro desejo dos declarantes e enseja a anulação do ato celebrado.

Sobre eles, colhe-se da jurisprudência:

Erro, dolo e simulação são vícios de vontade que segundo o Código Civil de 1916 (vigente à época dos fatos) tornam anulável o negócio jurídico. Não se confundem. No erro, a vítima se engana sozinha; no dolo, ela é ludibriada pelo outro contratante ou por terceiro; e na simulação, ambos os contratantes agem para iludir terceiro (TJSC, AC n. , de Laguna, rel. Des. Jaime Ramos, j. em 12-4-2005).

A respeito do dolo, Sílvio de Salvo Venosa destaca que “o dolo induz o declaratário, isto é, o destinatário da manifestação de vontade, a erro, mas erro provocado pela conduta do declarante. O erro participa do conceito de dolo nas é por ele absorvido” (Direito civil: parte geral, 6 ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 415).

Adiante, afirma o insigne doutrinador que “o elemento básico do negócio jurídico é a vontade. Para que essa vontade seja apta a preencher o conceito de um negócio jurídico, necessita brotar isenta de qualquer induzimento malicioso. Deve ser espontânea. Quando há perda dessa espontaneidade, o negócio está viciado. O induzimento malicioso, o dolo, é uma das causas viciadoras do negócio” (obra citada, p. 416 e 417).

A par disso, conclui-se que no dolo a vítima é ludibriada pelo agente e emite sua vontade de forma viciada embasada em fatos não condizentes com a realidade.

Pela análise do conjunto de provas, indiscutível que Aparecido Darcy Brodin dolosamente influenciou a vontade dos demais condôminos a aprovar as contas do período de novembro de 1991 a novembro de 1992, tendo em vista, conforme apurado pela perícia judicial, que várias despesas efetuadas nesse interregno não foram comprovadas pelo síndico.

Dessa feita, correta a decisão que declarou nula a disposição da assembléia que aprovou as contas ditas como prestadas pelo apelante, todavia, por fundamento diverso, já que na sentença a quo o Magistrado reconheceu a existência de simulação.

Outrossim, não merece prosperar a alegação do apelante de que a ação teria sido proposta posteriormente ao prazo legal obrigacional de manutenção dos documentos que comprovariam a correta aplicação dos recursos do condomínio.

De fato, a Lei n. 4.591/64, em seu art. 22, § 1º, alínea g, determina que “compete ao síndico manter guardada durante o prazo de cinco anos para eventuais necessidade de verificação contábil, toda a documentação relativa ao condomínio”.

Todavia, a ação foi proposta em maio de 1995, enquanto as despesas efetuadas sem comprovação, bem como aquelas efetuadas em proveito pessoal do síndico ou computadas a mais, são relativas ao período compreendido entre junho de 1990 e outubro de 1993, portanto, dentro prazo qüinqüenal a que se refere a Lei n. 4.591/64.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume a sentença objurgada.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado no dia 13 de novembro de 2007, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Henry Petry Junior.

Florianópolis, 26 de novembro de 2007.

Fernando Carioni

PRESIDENTE E RELATOR